A Carona

Autor: Desconhecido

Em tempos não muito longínquos, viveu uma garota chamada Alice. Ela era um protótipo perfeito dos jovens contemporâneos: trabalhava de dia como secretária de um escritório emTaubaté, à noite cursava Ciências Contábeis na Universidade de Taubaté(estava no 3o ano). Nos finais de semana costumava sair com seu namorado e uma turma de amigos da faculdade, ou, às vezes, descia para Ubatuba para curtir umas praias. E assim ia levando sua vidinha.

Alice era uma garota amável, de bom caráter e muito divertida. Era muito popular entre os amigos pela sua constante alegria e seu namorado a amava muito. Os planos do jovem casal incluíam ocasamento logo após suas respectivas formaturas.

Entretanto, em um certo dia, Alice, saiu mais cedo da faculdade. Era época de provas, o que bagunçava todo o horário e, como seu namorado ainda iria demorar um pouco, ela resolveu não esperá-lo e ir embora a pé, visto que sua casa ficava à apenas duas quadras dali.

Ao se dirigir ao portão, entretanto, Alice foi abordada por um casal de colegas, que a cumprimentaram e pediram uma informação à respeito do caminho para chegarem à via Dutra. Alice os reconheceu como sendo dois alunos da classe vizinha à sua, e foi o mais atenciosa que pôde com eles, que após agradecerem, perceberam que ela iria na mesma direção e ofereceram uma carona até a sua casa.

- Não, muito obrigado. Eu moro logo ali na outra esquina, pode deixar - recusou ela.

- Imagina... a gente está indo pro mesmo lado, não custa nada te levar. Entra aí! - disse o rapaz, abrindo a porta e levantando o banco de seu Uno Mille para que Alice pudesse entrar.

Ela ainda pensou em recusar, mas aceitou e entrou no carro. O rapaz entrou, colocou o cinto e deu a partida. A acompanhante dele também colocou o cinto de segurança e trancou a porta.

O rapaz saiu calmamente, o que fez Alice poder contemplar a fachada do prédio onde estudava. Havia uma multidão de alunos saindo pelo portão principal, dentre eles, vários amigos seus, da sua própria classe. Ela acenou para eles, mas ninguém a viu.

Chegando na esquina, o rapaz virou abruptamente, saindo do caminho.

- Ei! Era pra ir reto! Minha casa era logo ali na outra quadra, e é o melhor caminho para vocês chegarem à Dutra - disse Alice.

- Xiii... - disse ele sorrindo - eu pensei que era contramão. Mas tudo bem, a gente entra na próxima, e eu dou a volta no quarteirão.

- Não ... aí sim será contramão. Você vai ter que passar essa e entrar na outra, pra depois voltar - corrigiu ela, que já estava se arrependendo de ter ido de carro. "Ai ai... se tivesse ido à pé já estava quase em casa", pensou ela, enquanto via o rapaz acelerar e, novamente, errar o caminho que ela havia indicado.

Pela primeira vez, um sinal de alerta piscou na mente de Alice, que pensou duas vezes antes de falar:

- Era naquela ali que você tinha que ter entrado.

O rapaz olhou nos olhos dela, pelo retrovisor, depois virou a cabeça para trás e, olhando para a rua que havia acabado de passar, disse:

- Eu... acho que dei uma viajada. Desculpa. Estou te atrasando, né?

- Não... imagina! - disse ela - Só que agente está indo pra outro lado. "Que imbecil eu fui escolher para pegar uma carona" pensou ela.

Nisso, Alice viu que estavam diante de uma avenida que, se eles retornassem, sairia direto na Dutra. Ela teve uma idéia:

- Ó... faz o seguinte: me deixa aqui, que é mais fácil pra mim voltar. Pra chegar na Dutra, entre nessa avenida aí e faça o retorno mais à frente. Ela desemboca na Dutra.

- Não... nada disso. Você vai andar tudo isso de volta? - disse o rapaz.

- Não tem problema. É mais ou menos o que eu ia andar antes. Deixa eu descer aqui nessa esquina.

Com o coração disparado e a adrenalinaa mil, Alice viu ele hesitar, mas depois, para seu imenso alívio, aceitar e começar a encostar o carro.

Alice desceu, apreensiva, e se despediu. Começou a andar de volta para a sua rua, enquanto relaxava novamente. Alguns instante depois estava rindo para si mesma e pensando em como tinha se preocupado à toa.

Havia esfriado bastante. A rua estava semi-deserta, pois, apesar dela ter saído antes, já passava das onze da noite. Alice voltou a se sentir apreensiva. Não gostava de caminhar sozinha à noite.

Nisso, notou que, mais ou menos dois quarteirões à sua frente, vinham um bando de garotos arruaceiros, provavelmente bêbados. Vinham bagunçando, chutando latas e sacos de lixo, e ofendendo os motoristas dos carros que passavam. Alice sabia que não era uma boa idéia cruzar com eles, e começou a pensar em uma maneira de sair daquela situação.

Para sua sorte, vinha passando um ônibus. Alice não pensou duas vezes, apesar daquele ônibus não passar na sua rua, ele a deixaria na esquina de trás. Ela deu uma corrida de volta, até um ponto, e chegou bem à tempo. Fez sinal, e o ônibus parou. Alice entrou, novamente aliviada.

O ônibus estava lotado. A maioria dos passageiros eram estudantes indo de volta para sua casa. Alice ficou divagando em como já estaria no conforto de seu quarto se tivesse ido a pé, e, quando sedeu conta, estava perto de onde deveria descer. Mas, apesar de se esforçar,não conseguiu passar do meio da multidão, e perdeu o ponto. Continuou pedindo licença, e. apesar de progredir bastante, perdeu o próximo ponto. Aí perdeu a timidez também e gritou para o motorista a esperar descer no próximo ponto. Rubra de vergonha, Alice desceu do ônibus "p da vida" por não ter tomado aatitude antes. Agora, estava novamente longe de sua casa.

- Não acredito! Filho duma p%*&#!Hoje está demais! - desabafou a loirinha, que voltou a caminhar, agora, por uma rua estreita e mal iluminada.

Ao passar por uma árvore, um sujeito saiu por detrás dela de supetão, assustando a garota, que tentou continuar andando, como se nem tivesse reparado no cara. Mas ele deu dois passos em direção a ela, que o olhou furtivamente, apressando o passo.

- Ei! Peraí.. por favor, pode me ajudar? Ei, mocinha, só quero um favor. Eu não moro aqui.

Temerosa, Alice pensou em muitas coisas de uma só vez e, olhou mais para ver o que ele estava fazendo do que para atendê-lo, mas ele aproveitou a oportunidade e a alcançou, falando rápido enquanto se colocava na frente dela, impedindo-a de continuar.

- Meu carro quebrou. Eu moro em Caçapava e estou voltando da faculdade. Queria saber onde tem uma mecânica aquí perto

Pela primeira vez ela o analisou: o rapaz estava bem vestido, mas tinha um estranho sorriso no rosto, que, aliás, aassustou um pouco: havia uma enorme cicatriz na bochecha esquerda. Isso só serviu para deixá-la mais um pouco desconfiada e querendo sair logo dali.

- A essa hora? - disse ela. Eu acho que não tem nada aberto a essa hora.

Nisso, tentou se desviar e continuar a caminhada. Mas o rapaz a deteve.

- Por favor. Estou numa cidade estranha e não conheço nada. Se precisar, eu tiro alguém da cama para me consertar o carro. Eu tenho que ir embora.

Alice pensou. Ela queria mais do quetudo ir logo embora para sua casa. Seria possível que aquilo tudo pudesse acontecer de uma só vez? Ela, entretanto, fechou os olhos e se acalmou. Lembrou que julgou mal o casal que lhe oferecer carona. Resolveu ajudar logo o cara.

- Olha, logo na outra rua tem uma oficina de um amigo do meu pai. É naquela rua ali - disse ela apontando - nonúmero cento e... não lembro, mas é mais ou menos no fim da rua. Tem uma placa, não tem como errar.

- Puxa obrigado! - disse o rapaz, que já ia dar passagem para Alice, mas voltou-se e disse:

- Você não me acompanharia até lá? Já que você o conhece, dificilmente ele recusará me ajudar, mesmo sendo tarde assim.

Ela ia recusar firmemente, claro. Mas pensou em como seria até bom ver alguém conhecido como o Isqueiro (apelido domecânico). Isso a encorajou.

- Vamo lá. Eu aproveito e falo com ele.

E os dois se colocaram a caminho da oficina. A princípio, andaram calados, mas, de repente, o rapaz começou a puxar conversa:

- Você ficou com medo de mim, não é? É essa cicatriz na minha cara. Eu sei. Eu fui esfaqueado uma vez e fiquei desse jeito e...

- Quê? - se assutou ela -Esfaqueado?!

Alice deu um passo pra longe dele.Estava uma pilha de nervos e aquela conversa estava deixando-a assustada. Ela mudou de idéia e achou melhor ir embora.

- Olha, eu vou pra casa, porquê está tarde. Diz pro Isqueiro que a filha do Camargo te mandou lá.

Disse isso quase sussurrando, ao mesmo tempo que se afastava dele quase correndo.

- Ei! Que foi? O que você falou? Isqueiro do quem? Aonde você vai???

Mas Alice dessa vez foi firme. Andou sem olhar pra trás. Dava passos curtos e rápidos. Ofegava de nervoso, e amaldiçoava o que estava acontecendo.

Alice estava sem relógio. Que horas seriam? Onze e meia? Meia noite?? Mais tarde??? Meu Deus! Seus pais deveriam estar preocupados a essa hora. Ela precisava ir mais rápido.

O caminho foi percorrido sem sustos. Alcançou a rua transversal à sua. Depois virou e entrou na sua rua. Ah! Comoisso era bom! Nem acreditava. Estava em casa! Sua casa! Já podia até vê-la. Aluz da sala estava acesa. Nunca sua sala lhe pareceu tão confortável.

Ao passar por uma casa à meia quadra dasua, Alice notou uma Towner na frente, e o portão escancarado. Ela se deteve umpouco, para olhar, mas achou melhor ir embora logo. Quando ia passando pela Towner, um sujeito grande, com um gorro na cabeça saiu pela porta de trás docarro e veio em sua direção.

- Tá fuçando o quê, hein, piranha?

Alice, desesperada, viu o homem agarrar o seu braço e a puxar para perto de sí. Tentou gritar pelo seu pai, porsocorro, mas ele era muito forte, e tampou sua boca com uma das mãos, enquanto conseguia segurá-la com a outra.

Alice sentia o gosto de graxa das mãosdo estranho, e, ao mesmo tempo em que se enojava por aquilo, se desesperava ao ver-se sendo arrastada para dentro da casa. Lá chegando, levou um bofetão do cara, que fez sua boca e nariz sangrarem. Ela caiu no chão e acatou a ordemdele de calar a boca.

- Quem é essa vadia, Carlão? Porque trouxe ela aqui? Tá querendo ferrar a gente é? - perguntou um outro homem que veio do interior da casa com uma televisão nos braços.

- A piranha tava fuçando o carro.Acho que desconfiou de alguma coisa. Agora ela viu a gente.

- #$*&^%! E agora? Vamo ter que levar ela com a gente.

Ao ouvir isso, Alice, que estava no chão choramingando e soluçando enquanto limpava o sangue do rosto com acamiseta, se levantou e, totalmente fora de sí, tentou escapar. Foi espancada até ficar inconsciente.

Alice acordou no dia seguinte. Estava toda dolorida, com muitos hematomas, e com muita fome. Não sabia onde estava.Era um quarto imundo, com tábuas na janela e a porta estava trancada.

Lá Alice foi mantida durante trêssemanas. Não falavam com ela, apenas abriam um pouco a porta e colocavam um prato com uma mistura de aspecto asqueroso para ela comer. No começo ela não comeu, mas depois, com a fome torturando-a, teve que sucumbir.

Alice chorava pelos cantos do quarto,ficava deitada no canto menos sujo o dia inteiro. Fazia as necessidades numa bacia deixada ali. Não havia mobília no quarto. Não havia nada.

Depois de três semanas, seus seqüestradores deixaram-na livre pela casa. Era uma maloca de cimento, com 5 cômodos horríveis. Viviam três casais na casa. Um deles sempre ficava em casa, vigiando-a enquanto os outros saíam para comprar e vender drogas ou assaltar casas como aquela onde ela foi pega.

Alice podia apenas ficar lá. Eles não conversavam com ela. Não lhe diziam se iam fazer alguma coisa ou não, se iam soltá-la ou não. Simplesmente a olhavam. Se ela insistia em falar, eles se impacientavam e jogavam-na em seu quarto e trancavam-na.

Alguns meses depois, que pareceram anos para Alice, começou uma verdadeira guerra na casa. Os homens ficavam espreitando-a e ameaçando abusar dela, enquanto que as mulheres passaram a odiá-la por ciúmes. Até que chegou o dia em que a estupraram, e depois isso não parou mais. Ela passou a ser mantida entre eles apenas para servir de objeto sexual.

Assim viveu Alice por um ano e meio, até que uma manhã, duas das três mulheres entraram em seu quarto de noite e a esquartejaram, com ódio e ciúmes. Estavam cansadas de dividirem os maridos.

Alice morreu e foi enterrada perto dali. Nunca soube que estava em uma favela de São Paulo, que seu pai colocou até a Polícia Federal atrás dela, que seu namorado entrou em depressão após seu sumiço e sua mãe passou a viver de calmantes. Também não soube que morreu com um filho no ventre. Um filho de seus seqüestradores.

Posted by criptopage