A Volta do dia da Sinceridade

Autor: Stanislaw Ponte Preta

Vocês queiram perdoar, sim?, mas vamos continuar imaginando coisas sobre o "Dia da Sinceridade", cujo dia bolamos em momento dos mais inspirados, escudados que estávamos na certeza de que dias como o "Dia das Progenitoras"," Dia da Reconciliação", "Dia do Papai" e outros de somenos não tinham a menor importância do ponto de vista cívico, e, sim, do ponto de vista comercial. Com aquela disposição de que sempre nos munimos, quando se trata de auxiliar o próximo, Ter idéias mais felizes, bolamos do "Dia da Sinceridade" que não tem o mínimo cunho comercial e – muito pelo contrário – ajuda os leitores que aderirem a burilar o caráter, elemento da personalidade de cada um que, segundo Tia Zulmira,– está para a consciência do indivíduo assim como a gomalina está para a cabeleira do Al Neto.

O "Dia da Sinceridade" lavará a alma de muita gente, mesmo essa gente inibida que passa o dia mentindo para conservar os honorários, tais como garotas-propaganda, locutores de rádio, ministros de Estado, vendedores ambulantes e cronistas mundanos. Isto para somente citarmos classes mais ou menos definidas dentro do panorama da sinceridade nacional e – por que não?– internacional.

No "Dia da Sinceridade", talvez para evitar futuros aborrecimentos, não seria conveniente visitar parentes, mas seria de boa monta entrar na Câmara dos Deputados e conversar um pouco com o deputado em que votamos. Seria de bom alvitre também ligar o rádio para a Rádio Mundial e ouvir as pregações do irmão Alziro Zarur.

Somos de opinião que um dia assim viria descomplexar (ou será extracomplexar? Verifique aí, Osvaldo) diversas classes trabalhadoras, como por exemplo, a classe dos que vendem calçados. Isto é um exemplo, conforme vocês podem notar, trazido assim a esmo, só para melhor esclarecer a massa ignara.

Os vendedores de sapato que, conforme tão bem assinalou o poeta Vinícius de Moraes, parecem Madalenas arrependidas pedindo perdão pelos sapatos, já que se ajoelham na frente do freguês para experimentá-los (não os fregueses, mas os sapatos), vivem na insinceridade. No entanto, vitoriosa a idéia do "Dia da Sinceridade", mesmo em sua postura costumeira, e talvez por causa dela, diriam para a dama elegante que insiste em comprar o sapato de couro de camelo:

- Madame, não vai nessa. Esse camelo nasceu cavalo. O modelo é de uma fábrica de calos e o sapato entorta mais do que boca de cantor de tango.

A senhora compradora não se espantaria, pois era o dia supracitado, e agradeceria com um sorriso, não sem antes botar na mão do vendedor uma nota de duzentas pratas, aconselhando:

- Vá a um dentista, nego. Daqui de cima é que se tem uma idéia panorâmica de suas cáries.

O vendedor faria uma reverência, já de pé, e antes que a freguesa fosse embora, perguntaria risonho:

- A senhora não quer examinar a nossa coleção de ferraduras?

Grande dia, companheiros, o "Dia da Sinceridade".

Posted by criptopage